quarta-feira, 27 de junho de 2012

Falta índio no Congresso



Artigo Publicado na edição do dia 25/06, do jornal O GLOBO.

“Se não for alterada a atual legislação eleitoral os índios jamais terão representantes na Câmara Federal”.
Dep. Padre Ton*
O historiador e antropólogo Gilberto Freyre, na obra Casa-grande & Senzala publicada em 1933, revolucionou a intelectualidade ao identificar os índios, os africanos e os portugueses como as três raças responsáveis pela formação da sociedade brasileira.  O País que surgiu da miscigenação desses três grupos originários se apresenta ao mundo hoje como uma nação moderna e próspera, considerado player de peso nas negociações internacionais e a mais importante democracia entre os países emergentes.
Um olhar mais cuidadoso dessa evolução, no entanto, nos leva a questionar esses avanços, especialmente no terreno da representação política. Das três faces que deram origem ao nosso povo, admirado no mundo por sua alegria e hospitalidade, a indígena é a única que foi mantida distante dos espaços de poder até hoje, apesar de estarem sendo tomadas decisões que afetam diretamente suas vidas, como a aprovação recente da admissibilidade da PEC 215, por exemplo, que muda profundamente o rito das demarcações das terras indígenas e abre a possibilidade de revisão das áreas já homologadas.
A falta de representação indígena no Congresso Nacional decorre de um defeito grave em nosso sistema eleitoral que se não for corrigido manterá os primeiros brasileiros distantes do cenário político para sempre. O cruzamento de dados do Censo Demográfico de 2010 e do cadastro de eleitores do TSE revelou que Roraima é o único Estado em que os índios poderiam eleger um representante, sem depender da votação de eleitores não indígenas.
A população indígena potencialmente votante em Roraima é de 33 mil eleitores, o que corresponde a 1,2 vezes o quociente para a eleição de deputado federal ou 2,3 vezes a média de votos obtidos pelos parlamentares eleitos para a atual legislatura. Nos demais estados a razão entre população indígena potencialmente votante e quociente eleitoral é inferior a 1, ou seja, mesmo que todos os indígenas em idade eleitoral se alistassem e votassem num único candidato, ainda assim, não seria suficiente para elegê-lo. Em outra situação, em que é confrontada a população indígena potencialmente votante com a média de votos obtida pelos parlamentares eleitos no último pleito o resultado permanece inalterado, ou seja, é impossível eleger uma liderança indígena.
O problema reside no distrito eleitoral, que no caso da eleição para a Câmara Federal coincide com a abrangência dos Estados. Esse formato impede que os indígenas e outros grupos minoritários de um Estado votem em candidatos indígenas de outra unidade da federação, por exemplo, agindo como uma verdadeira cláusula de barreira intransponível contra as populações indígenas do País.
A reforma política reclamada há anos, não pode se esquivar da questão da ausência de representação das comunidades indígenas no Congresso Nacional. Preocupado com essa mancha em nossa democracia, apresentei emenda ao relator da reforma política propondo a criação de distritos regionais indígenas nas eleições para a Câmara dos Deputados, criando um determinado número de novas cadeiras na destinada exclusivamente à representação indígena.
De acordo com esta proposta, o País seria divido em grandes distritos indígenas, considerando a distribuição da população nativa no território nacional, onde apenas indivíduos autodeclarados indígenas poderiam votar e ser votados.  Essa é uma forma legítima de assegurar uma representação mínima de indígenas no Parlamento e acabar de uma vez por todas com a ausência incômoda dos primeiros brasileiros no parlamento, onde são tomadas as principais decisões do País.


* Presidente da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas e Segundo Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

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