A questão, lembrada pelos meios de comunicação apenas nas ocasiões
em que apresentam potencial de desgaste ao governo, veio à tona na semana
passada com mais uma ocupação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e de
diversas superintendências do Incra, pelo MST. O objetivo do movimento é o
mesmo de todos os anos: chamar a atenção do governo e da sociedade para a
demora nos processos de desapropriação e a escassez de recursos para os
programas da reforma agrária.
Não se trata de falta de recursos, muito menos de vontade dos
governos em implementar a política. A questão é o marco regulatório arcaico e
conservador, mantido assim há quase 50 anos pelas oligarquias agrárias,
representada pala bancada ruralista no Congresso Nacional.
A Constituição Brasileira de 1988, avançou muito ao condicionar o
direito de propriedade da terra ao cumprimento de sua função social, que é
constituída por um elemento econômico (aproveitamento racional e adequado), um
elemento ambiental (utilização adequada dos recursos naturais e preservação do
meio ambiente) e um elemento social (observância das normas que regulam as
relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e
trabalhadores).
Apesar disso, a estrutura agrária se manteve praticamente
inalterada após 23 anos de vigência da Carta Magna, graças ao conservadorismo
do Poder Judiciário, que mutilou o texto constitucional, firmando
jurisprudência sobre a produtividade, como hipótese única para desapropriação
de imóveis rurais e sua posterior destinação para a reforma agrária.
Por outro lado, os índices usados para aferir se uma propriedade é
produtiva, para efeito de desapropriação, são os mesmo há mais de quarenta
anos, apesar dos avanços tecnológicos que no período multiplicaram a produtividade
agrícola várias vezes.
É praticamente impossível desapropriar terra no Brasil hoje. Os
processos demoram anos na justiça e quando são julgados o resultado é quase
sempre em favor dos proprietários, mesmo nos casos em que os títulos são
flagrantemente objeto de grilagem.
A judicialização dos processos de desapropriação, a falta de
correção dos índices de produtividade, associada à predileção do judiciário pelo
latifúndio, são algumas das causas estruturais mais relevantes, que explicam a
paralisia da reforma agrária no Brasil. Os governos avançaram o quanto puderam,
especialmente no Norte o Nordeste, onde os estoques de terras públicas ainda são
grandes. Na medida em que as commodities foram se valorizando no mercado
internacional elevaram os preços da terra, tornado viável a exploração mesmo
das terras localizadas em regiões isoladas.
A pressão dos movimentos sociais que lutam pela partilha da terra,
tendo a ocupação do latifúndio como principal estratégia de ação, foi anulada
pelo Decreto 9871, de 1999, que proibiu a realização de vistoria nos imóveis
ocupados por dois anos a contar da desocupação.
Portanto, a modalidade que ainda resta para o programa de reforma
agrária é a compra direta de terra dos proprietários, a preço de mercado, e a
sua distribuição para os trabalhadores rurais. Esta modalidade esbarra em
questões óbvias, uma delas é o custo elevado da terra, associado à falta de
controle por parte do Incra, permitindo que muitos lotes acabem de volta ao
mercado de terras.
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