Acostumadas a travar guerras por territórios, as
etnias da calha do Rio Negro travam agora uma nova batalha, que certamente
mudará para sempre seu modo de vida. Desta vez o que está em jogo é a decisão
de autorizar, ou não, a exploração de minério em suas terras. O movimento está
dividido, opondo caciques e pajés tradicionais, líderes responsáveis pelo
surgimento das organizações atuais, baseadas em modelos não indígenas e novas lideranças que buscam se afirmar a partir de
referências culturais.
O tema da mineração em terras indígenas voltou à pauta do
Congresso Nacional após uma década e meia paralisado na Câmara dos Deputados.
Na semana passada a comissão encarregada de dar parecer ao PL 1610/96,
presidida pelo Deputado Padre Ton, do PT/RO, esteve em São Gabriel da Cachoeira
a pedido da Federação das Organização Indígenas do Rio Negro (Foirn) para recolher
sugestões sobre o assunto. Já no aeroporto da cidade os deputados eram saudados
por faixas que também deixavam clara a posição de diferentes etnias em favor da
mineração. Por outro lado, o grupo ligado às entidades indígenas colava nos
parlamentares para tentar interferir na pauta do evento em favor de suas
posições.
Os interesses em jogo são muitos, a maioria distante do entendimento
dos indígenas, que seguramente serão os menos beneficiados com os resultados
da extração. A indústria da mineração pesada, representada por grandes empresas
do setor, e a estridente associação dos garimpeiros estão eufóricos com a
possibilidade de entrar no subsolo das terras indígenas, que na
região do Rio Negro representa cerca de 90% do território. Esses grupos, como
era de se imaginar, usam todos os meio ao seu alcance, principalmente
econômico, para “ganhar” a confiança dos
índios em favor da tese da “mineração já”.
Como disse o líder Josivaldo Tucano, “o homem branco
sempre foi fascinado por metais preciosos, vieram para nossas terras em busca
de minerais e essa sede não foi saciada”. A julgar pela abordagem dos representantes
do setor minerário presentes na reunião, os métodos também não mudaram ao longo
de mais de quinhentos anos de relacionamento com os indígenas. A doação de cacarecos
em troca das riquezas da floresta continua inalterada nos dias atuais.
Os defensores da liberação se apoiam no argumento da ausência
de políticas públicas capazes de assegurar aos índios uma vida digna e
confortável nas aldeias. Como se sabe, a Funai perdeu importância nos últimos
anos, os conflitos entre indígenas, fazendeiros, pequenos agricultores,
quilombolas e outras populações tradicionais, envolvendo a disputa pela terra
aumentaram. A saúde nas comunidades é caótica e, principalmente, os índios
não dispõem de meios econômicos para fazer frente às novas demandas de consumo
adquiridas com a aproximação com a sociedade branca. Diante desse estado de
carências a mineração lhes é apresentada como panaceia de todos os seus
problemas e os efeitos negativos escamoteados.
A mineração em terras indígenas foi suspensa pela
Constituição de 1988, que prevê no parágrafo primeiro do art. 231 e terceiro do
art. 176 a necessidade de regulamentação específica por lei
infraconstitucional. Ao contrário do que muitos pensam e que tanto confunde os
índios, o PL 1610/96, se for aprovado, apenas cria os critérios para que sejam
abertos processos específicos de autorização caso a caso posteriormente. Ele não
tem o poder de autorizar a extração mineral nas áreas por si só. Numa
fase posterior, ainda será necessário a realização dos estudos técnicos,
consulta às comunidades indígenas afetada pela lavra, apreciação do Conselho
Nacional de Defesa nos casos das áreas em faixa de fronteira, e, por fim,
ser submetido a nova apreciação do Congresso Nacional, por meio de projeto de
decreto legislativo.
Considerando a correlação de forças no Congresso Nacional e
o lobby dos interesses favoráveis, a regulamentação prevista na Carta Magna será aprovada em breve. Vencido o obstáculo colocado inteligentemente pelo constituinte, é previsível que haja uma avalanche de requerimentos de pesquisa e lavras nas terras indígenas. Caso a regulamentação não tenha como foco a preservação dos
direitos e interesses dos indígenas, estaremos diante de um nova "corrida do
ouro" que levará muitas comunidades de volta aos tempo dos aldeamentos
e dos etnocídios.
2 comentários:
Nobre Luizinho, li gostei e compartilhei no facebook e no meu blog.
abraços
Luiz, muito boa esta iniciativa. Um forte abraço, Ricardo Verdum.
Postar um comentário