Artigo Publicado na edição do dia 25/06, do jornal O GLOBO.
“Se não for alterada a atual legislação eleitoral os índios jamais terão
representantes na Câmara Federal”.
O
historiador e antropólogo Gilberto Freyre, na obra Casa-grande & Senzala
publicada em 1933, revolucionou a intelectualidade ao identificar os índios, os
africanos e os portugueses como as três raças responsáveis pela formação da
sociedade brasileira. O País que surgiu
da miscigenação desses três grupos originários se apresenta ao mundo hoje como
uma nação moderna e próspera, considerado player
de peso nas negociações internacionais e a mais importante democracia entre os
países emergentes.
Um
olhar mais cuidadoso dessa evolução, no entanto, nos leva a questionar esses
avanços, especialmente no terreno da representação política. Das três faces que
deram origem ao nosso povo, admirado no mundo por sua alegria e hospitalidade, a
indígena é a única que foi mantida distante dos espaços de poder até hoje, apesar
de estarem sendo tomadas decisões que afetam diretamente suas vidas, como a
aprovação recente da admissibilidade da PEC 215, por exemplo, que muda
profundamente o rito das demarcações das terras indígenas e abre a
possibilidade de revisão das áreas já homologadas.
A
falta de representação indígena no Congresso Nacional decorre de um defeito
grave em nosso sistema eleitoral que se não for corrigido manterá os primeiros
brasileiros distantes do cenário político para sempre. O cruzamento de dados do
Censo Demográfico de 2010 e do cadastro de eleitores do TSE revelou que Roraima
é o único Estado em que os índios poderiam eleger um representante, sem
depender da votação de eleitores não indígenas.
A
população indígena potencialmente votante em Roraima é de 33 mil eleitores, o
que corresponde a 1,2 vezes o quociente para a eleição de deputado federal ou
2,3 vezes a média de votos obtidos pelos parlamentares eleitos para a atual
legislatura. Nos demais estados a razão entre população indígena potencialmente
votante e quociente eleitoral é inferior a 1, ou seja, mesmo que todos os
indígenas em idade eleitoral se alistassem e votassem num único candidato,
ainda assim, não seria suficiente para elegê-lo. Em outra situação, em que é
confrontada a população indígena potencialmente votante com a média de votos
obtida pelos parlamentares eleitos no último pleito o resultado permanece
inalterado, ou seja, é impossível eleger uma liderança indígena.
O
problema reside no distrito eleitoral, que no caso da eleição para a Câmara
Federal coincide com a abrangência dos Estados. Esse formato impede que os
indígenas e outros grupos minoritários de um Estado votem em candidatos
indígenas de outra unidade da federação, por exemplo, agindo como uma
verdadeira cláusula de barreira intransponível contra as populações indígenas
do País.
A
reforma política reclamada há anos, não pode se esquivar da questão da ausência
de representação das comunidades indígenas no Congresso Nacional. Preocupado
com essa mancha em nossa democracia, apresentei emenda ao relator da reforma
política propondo a criação de distritos regionais indígenas nas eleições para
a Câmara dos Deputados, criando um determinado número de novas cadeiras na
destinada exclusivamente à representação indígena.
De
acordo com esta proposta, o País seria divido em grandes distritos indígenas,
considerando a distribuição da população nativa no território nacional, onde
apenas indivíduos autodeclarados indígenas poderiam votar e ser votados. Essa é uma forma legítima de assegurar uma
representação mínima de indígenas no Parlamento e acabar de uma vez por todas
com a ausência incômoda dos primeiros brasileiros no parlamento, onde são
tomadas as principais decisões do País.
* Presidente da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas e
Segundo Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara
dos Deputados.